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‘Panini criou um monstro’: a agitação que as figurinhas da Copa causam no Brasil e na América Latina
A falta dos cromos na Argentina chegou a motivar até um protesto no final de agosto em frente aos escritórios da empresa e inflacionou os preços nos mercados paralelos.
Rodrigo Condori tem 10 anos e está animado.
Esse pequeno argentino, fanático por futebol, está ansioso pela Copa do Mundo de 2022 que acontece no Catar e começa no mês de novembro.
Enquanto isso ele coleciona as figurinhas do álbum que é vendido pela empresa Panini, uma tradição que acontece a cada quatro meses antes do início do torneio.
“Todos os meus colegas estão colecionando figurinhas e trocamos as repetidas na escola”, disse ele à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
Rodrigo não sabe exatamente quantas figurinhas tem, mas afirma que são mais de 260. Para completar o álbum neste ano são necessárias 670.
O problema é que na Argentina está difícil encontrar as figurinhas. Seu pai, Abraham, diz que é uma missão quase impossível.
“Ficamos três horas na fila com um amigo e compramos 100 pacotes. Agora não tem mais”, conta.
Rodrigo Condori quer completar o álbum antes do começo da Copa — Foto: CORTESIA ABRAHAM CONDORI/via BBC
A falta de figurinhas na Argentina chegou a motivar até um protesto no final de agosto em frente aos escritórios do distribuidor oficial da Panini e inflacionou os preços nos mercados paralelos. Isso vem ocorrendo em vários países da América Latina.
A história do álbum
O grupo Panini, fundado em 1961, com sede em Modena, Itália, é o fabricante oficial do álbum da Copa.
A empresa é referência no mercado de figurinhas — principalmente para crianças — na Europa e na América Latina e possui filiais e distribuidores oficiais em várias partes do mundo.
Desde 1970, a empresa fabrica o álbum onde os colecionadores podem colar as figurinhas de 49 x 65 mm dos atletas das 32 equipes participantes do torneio, além dos estádios, da taça, do mascote e da bola oficial.
Os pacotes vêm com 5 unidades para completar as 80 páginas do álbum.
A BBC News Mundo solicitou números de vendas à empresa para ter uma dimensão do impacto do negócio, mas não obteve resposta.
“Nunca vi nada igual”
O interesse em completar o álbum da Copa do Mundo varia nos países da região.
“Como a Colômbia não se classificou para a Copa do Mundo, então a febre é menor”, diz o jornalista colombiano da BBC Mundo Alejandro Millán.
Brasil, Argentina, Equador, Uruguai, México e Costa Rica são os países latino-americanos que disputarão a Copa do Mundo no Catar 2022.
Em algumas ruas e feiras, principalmente em Montevidéu, são montadas barracas improvisadas para trocar repetidas, e nos intervalos escolares o assunto chama a atenção.
Tem até pais que trocam figurinhas no trabalho em nome dos filhos. Um uruguaio criou um aplicativo para facilitar a troca de figurinhas.
Banca de venda e troca de figurinhas em Montevidéu — Foto: CORTESIA PAOLA CALLERO/via BBC
No Brasil, o Procon de São Paulo pediu na semana passada à Panini local informações sobre a distribuição de álbuns e figurinhas após receber 432 reclamações sobre falta dos produtos.
Entre outras coisas, a empresa foi consultada sobre o volume de material vendido, preços e prazos de distribuição, bem como as respostas sobre reclamações por falta ou atraso na entrega.
A Panini, que tem até sexta-feira (09/09) para responder à entidade pelos direitos do consumidor, disse à TV Globo que o tamanho do Brasil apresenta desafios logísticos. A empresa afirma que ampliou as vendas online e acordos com o varejo.
Garoto cola figurinha especial da Argentina campeã da copa do mundo de 1978 — Foto: GENTILEZA ABRAHAM CONDORI/via BBC
Mas talvez o caso mais marcante tenha acontecido em Buenos Aires.
“O que acontece nesta Copa não vi na da Rússia, Alemanha, nem dos Estados Unidos”, afirma a BBC Mundo Claudio Páez, que há 30 anos tem uma banca de revista no bairro de Almagro.
Ele diz que os clientes fazem fila e os pacotes e os álbuns de figurinhas se esgotam em poucas horas.
“As pessoas estão nervosas, desesperadas”, diz.
O dono da banca acredita que o grande interesse se deve ao fato de que “a seleção argentina gera entusiasmo e há esperança. É um povo que ama muito o futebol, e com a magia proporcionada por Messi a 100%, tudo explodiu”.
Mas reconhece que “é difícil entender este fenômeno porque as pessoas não têm o que comer, estamos vivendo uma situação econômica muito ruim”. A Argentina enfrenta uma crise que culminou numa inflação anual de 71% em julho passado, a maior em 20 anos.
No tuíte abaixo, o vice-presidente da associação de donos de bancas na Argentina pede que a Panini não comercialize as figurinhas em outros canais.
“Alguns compram as figurinhas em grande quantidade [e depois revendem]. Assim, a Panini criou um monstro”, diz Páez.
O preço sugerido de um pacote de figurinhas na Argentina é de 150 pesos (aproximadamente R$ 5,50, no preço oficial), mas, com a falta nas bancas, o valor chega até dobro ou o triplo nos mercados paralelos.
Pessoa abre um envelope de figurinhas para a Copa do Mundo de 2022 — Foto: GETTY IMAGES/via BBC
“Muito caro”
Pode ser que a agitação, a escassez e até os protestos sejam uma característica muito argentina. Mas o fenômeno inflacionário dos cromos chega a diversos países.
Na Colômbia, por exemplo, o envelope passou de cerca de 2.000 pesos colombianos (cerca de R$ 2,40) na Copa da Rússia para 3.500 pesos colombianos (R$ 4,14) agora, informa o jornal El Espectador.
No Brasil, cada pacote é vendido por R$ 4, o dobro do que era quatro anos atrás. Isso eleva o custo para completar o álbum, segundo o site da Bloomberg, para R$ 3.865 — uma vez e meia a renda média mensal do país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Em 2018, um matemático da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, calculou que são necessárias 4.832 figurinhas em média para completar todas as páginas.
Figurinhas da Copa do Mundo de 2022 — Foto: GETTY IMAGES/via BBC
No México o preço das figurinhas é de 18 pesos (R$ 4,73). Isso representa 50% a mais que os valores da Copa do Mundo da Rússia em 2018.
Na Argentina, a inflação do pacote de figurinhas se aproximou de 1.000% em apenas quatro anos.
“Na verdade, estou terminando e é muito caro”, diz Alejandro Millán, que mora em Londres.
No Reino Unido, de acordo com o especialista em finanças do futebol Kieran Maguire, o álbum oficial pode custar até 883,80 libras esterlinas (R$ 5.355) para ser completado.
O analista, entrevistado pelo jornalista da BBC Newsbeat Manish Pandey, diz que o preço de um pacote subiu de 20 pence (R$ 1,21) há muitos anos para 90 pence (R$ 5,45) agora.
Por que os preços subiram? Kieran explica que “a Panini tem que pagar um valor de royalties à FIFA”.
“E eles têm que negociar com as associações de futebol individualmente para obter os direitos de uso da camisa e do escudo. Então é um negócio caro para eles”, acrescenta.
Mas ele ressalta que é a tradição que mantém as pessoas com o passatempo.
“Não há sensação melhor do que colar a última figurinha, especialmente se acontecer antes do início do torneio”, diz o especialista.
Rodrigo e seu irmão Santiago esperam completar logo o álbum — Foto: CORTESIA ABRAHAM CONDORI/via BBC
Enquanto isso, na Argentina, Abraham Condori conta que quando criança, no Peru, também colecionava figurinhas para a Copa do Mundo.
Agora ele revive o momento com Rodrigo e seus outros filhos, visitando as bancas de Buenos Aires, tarde após tarde, em uma espécie de caça ao tesouro.
“Para uma figurinhas, as pessoas podem enlouquecer”, diz ele.
matéria retirada do link – https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/09/12/panini-criou-um-monstro-a-agitacao-que-as-figurinhas-da-copa-causam-no-brasil-e-na-america-latina.ghtml